BERLANGE, O CURUMIM QUE UM DIA JÁ FOI XURUPITÃ URUBIÇARA

                                       A intrigante história de Berlange Andrade

Por Antônio Serpa do Amaral - Basinho

 

 Não sei por que, só sei que foi assim! O curumim tava mais enrolado que tabaco de rolo de Arapiraca na alcova uterina de sua mãe, o berço da vida!

Toda a valença é que, segundo os presságios do candomblé, o cordão umbilical enrolado no pescoço do nascituro tem a ver com um sinal de grande espiritualidade, pois está a indicar a ligação especial com as entidades mitológicas do mundo Iorubá, ou com os ancestrais de estirpe africana. Ponto pro Berlange na embaraçosa largada!

Contraditoriamente, o ramo biológico por onde flui o néctar da vida, interligando o bebê em desenvolvimento e ascensão para o mundo dos vivos, fazendo a conexão vascular que permite ao sangue, rico em oxigênio, chegar até o feto, era o mesmo que, naquele momento, atentava contra a vida daquele projeto de ser, enforcando-o como uma fera irracional dotada de força e fúria sem sentido algum!

A salvação da pátria iria recair sobre o conhecimento dos povos originários da hiléia amazônida, detentores dos apanhados gnosiológicos que antecedem em mais de dez mil anos aos conhecimentos da medicina moderna.

Literalmente com a corda no pescoço, Berlange foi salvo pela graça e obra das mãos de uma parteira secular, mulher de um velho índio guerreiro e feiticeiro que viveu nas brenhas da Amazônia Ocidental.

 Atuando com manejo excepcional e grande conhecimento de causa, a índia desatou os nós que enforcavam a garganta do pretenso nascente, trazendo-o são e salvo para o mundo do seres movidos a ar, que são os homo-sapiens respirantes e gasosos! E eis que o rebento, dantes encalacrado e mudo, libertou-se da masmorra fibrosa que lhe atormentava seu direito à vida e saltou garboso do interior do útero para a plenitude da criação divina, berrando feito um bezerro desmamado, com a graça de Deus e dos orixás de mãe África!

Nascia assim um menino chamado Xurupitã Urubiçara!

Sim, meus senhores, o cabra nasceu pagão e aborígene, antes de receber nome e batismo civilizatórios!

Esse nome indígena perdurou até os nove anos de idade; a partir daí, ele mudou de alcunha, quando adveio o evento do batismo. O padre que o ungiu, como fizera Samuel a Davi, exigiu a mudança de nome e colocou isso como condição para ele pudesse ser internado no Colégio Dom Bosco de Porto Velho - RO, fundado em 1935. Foi então que ele ganhou novo nome e um registro de nascimento com a denominação bíblica prenominal de José, esposo de Maria, mãe de Jesus, o Nazareno! E foi assim que Berlange, já como novo nome, José Berlange Andrade, foi acolhido e internado no Colégio Dom Bosco, um momento muito decisivo na sua vida, depois do perrengue vivenciado durante o nascimento traumático em que contou com a ajuda da índia parteira e mulher do velho índio guerreiro e feiticeiro da floresta Amazônica que, com suas mãos habilidosas e sábias, desembaraçou-lhe os caminhos da existência para que o menino pudesse peregrinar as trilhas e campinas do bem viver!

Batizado com o homônimo do personagem bíblico José, Berlange foi introduzido no mundo dos gregos, dos romanos e dos judeus.

E agora, José?, perguntaria o poeta Carlos Drummond de Andrade!

Agora ele está aí, firme e forte, lutando pela vida e pela realização dos seus sonhos, como todo mundo!

E foi numa intuição onírica, dessas que acontece uma vez na vida e outra na morte, que o menino, um dia chamado de Xurupitã Urubiçara, teve a premonição de que o Tenente Fernando um dia seria devorado por uma serpente do meio da selva amazônica!

Coincidentemente, essa vidência tem muito a ver com a minha versão literária sobre a vida desse famoso personagem da nossa história regional! Também sonhei! Onírica e literariamente!

Afinal, sonhar é preciso!

“Poetas, seresteiros, namorados, correi! É chegada a hora de escrever e cantar talvez as derradeiras noites de luar”

 

 

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