Inácio Mendes da Silva – Jornalista, Preso e Torturado em Porto Velho-RO durante a ditadura militar de 1964

Por  Zola Xavier da Silveira * 

Processado pela Lei de Segurança Nacional, seu nome consta no livro "Brasil: Nunca Mais"; Sempre de atuação dramatizada, ora discursando em bares e esquinas, ora em suas colunas dos jornais por onde passou.

Inácio Mendes, assim como tantos outros paraenses que fizeram história no antigo Território Federal do Guaporé, aportou na cidade de Porto Velho no  final dos anos 40, vindo de Belém do Pará sua cidade natal. Jornalista irreverente, desde então, teve forte engajamento na vida política da região, marcada por sua independência partidária,  muito embora que,  em toda a sua trajetória, tenha se identificado com os ideais trabalhistas do velho  PTB – Partido Trabalhista Brasileiro - de Vargas, Jango e Leonel Brizola.

Inácio Mendes em pé de paletó preto, sentados Claúdio Feitosa, Harry Covas e o ex governador Wadih Darwich - foto arquivo pessoal

Um Petebista autêntico, oriundo de uma militância quando ainda  jovem ingressou na legenda trabalhista na sua cidade natal. Em diversos episódios da vida política do antigo Território, nas décadas de 50, 60 e 70, o aguerrido jornalista foi um de seus protagonistas.

Suas prisões se deram, marcadamente,  em decorrências de seus ideais, defendidos nas publicações que fez nos jornais daquela época, que foram,  Folha do Guaporé, Correio de Rondônia,  Folha de Rondônia, O Combate e  O Combatente, estes  dois últimos de sua propriedade.  Sua caneta descarregava a sua verve panfletária do anarquista solitário. O que levou os militantes do velho PCB – Partido Comunista do Brasil, o qualificarem como um solitário franco atirador. E o era.


Sua primeira prisão

Em dezembro de 1949 assume a direção do diretório do PTB de Guajará Mirim, mas, após constatar que, numa manobra política desfechada pela corrente aluizista, o PTB se desviara dos ideais Varguistas, Inácio,  então, rompe e denuncia esses desvios afirmando que a direção local “ amoleceu ante as investidas dos nossos inimigos e também inimigos de Getúlio Vargas”, partindo em seguida para  criar uma dissidência denominada de PTB Vermelho.  Em fevereiro de 1950 sofre a sua primeira prisão, solicitada ao chefe de polícia de Porto Velho pelo presidente territorial do PTB, sob a alegação de que a legenda estava abrigando elementos comunistas. Em decorrência dessa investida,  a sede do PTB Vermelho é fechada e Inácio Mendes afasta-se do partido, para ingressar no PDC – Partido Democrata Cristão, no cargo de secretário geral, mas, apesar de ter sido preso e perseguido , Inácio continuou a fazer parte da coligação de apoio ao candidato do PTB.

Após as eleições de outubro de 1950, onde a oligarquia comandada pelo coronel Aluizio Ferreira ganha por uma pequena margem de votos, o então Território do Guaporé mergulha em um período de disputas  marcadamente ideológicas. Além de diversas arbitrariedades, como prisões e deportações de adversários, teve também a prisão do líder da Frente Popular, o médico Renato Medeiros, acusado por essas mesmas forças, de organizar  uma conspiração comunista  para instalar uma República Socialista na região.

Nas eleições seguintes, a de outubro de 1954, Inácio Mendes, com o seu novo partido, o PDC, inexplicavelmente permaneceu na coligação, que teve  como candidato Aluízio Ferreira. Neste pleito,  pela primeira vez,  a Frente Popular, abrigada no Partido Social Progressista - PSP,  sai vitoriosa,  com Joaquim Vicente Rondon e tendo como seu suplente Renato Medeiros.

Jornal Correio da Manhã 22. 06. 57

Sua Segunda prisão

Em junho de 1957 a Associação Brasileira de Imprensa - ABI,  recebe denuncia de que Inácio Mendes encontra-se preso em Porto Velho, capital do agora Território de Rondônia( a mudança de nome se deu em 1956), por determinação do governador,  general Jayme Araújo dos Santos, sem culpa formalizada e em cárcere de péssimas condições. Dirigindo-se ao governador, a ABI pede providências para cessar todo o constrangimento e a imediata soltura do jornalista.  Em sua justificativa, o general alegou que Inácio Mendes estava distribuindo panfletos, subvertendo a ordem pública e  fazendo ameaças ao coronel Aluizio Ferreira. Além disso, o general governador, absurda e pretensiosamente,  se refere ao prisioneiro como não sendo jornalista, “Em atenção ao rádio de V. Exma. De 21 do corrente, tenho a informar que Inácio Mendes, que se diz jornalista, mas que foi expulso da Associação Amazonense de Imprensa”.

Jornal A Noite 27. 06. 57 

Terceira prisão executada pelo capitão Alípio

Na campanha eleitoral seguinte, em outubro de 1958, o incansável e aguerrido jornalista, finalmente, embarcou  nas fileiras da Frente Popular,  que,  neste pleito, teve como seus candidatos a chapa formada por Renato Medeiros e o socialista Thomáz  Chaquian. E, pelo seguir de sua trajetória política, demonstrou ter encontrado o seu verdadeiro ambiente, porém não abandonou a sua postura irreverente.

Seus conflitos com as forças de segurança pública, desta feita, se deram na cidade de Guajará Mirim, onde ocorreu  a sua terceira prisão em solo rondoniense. O fato aconteceu em um comício do PSP, onde  a fala de Inácio Mendes foi considerada uma afronta às autoridades, como  assim relatou o jornal O Guaporé em sua edição de 18 de setembro de 1958 “  Como se manifestasse  em termos injuriosos aos candidatos Aluízio Ferreira e Paulo Nunes Leal, os membros dos diretórios do PSD e PTB procuraram o delegado de polícia ( capitão Alípio ) pedindo providências...” e prossegue o jornal   “após haverem falado vários oradores, o indivíduo Inácio Mendes iniciou a sua parlenga, referindo-se em termos depreciativos ao  Juiz Eleitoral, e desandou em ataques violentos aos seus adversários, classificando-os de assassinos confessos, ladrões e bandidos que enxovalhavam o exército nacional.”  Esta campanha terminou com a vitória de Aluizio Ferreira.

Desde então, Inácio passou a escrever na  Folha de Rondônia, porta voz da Frente Popular FP,  jornal de propriedade do engenheiro Wadih Darwich.

A última eleição antes do golpe de abril de 64, encontrou Inácio Mendes em pleno vapor trabalhando no seu ofício, agora ao lado das forças progressistas. Foi a mais trágica disputa eleitoral da história do antigo Território de Rondônia, a que ficou marcada pelo atentado ocorrido no comício de encerramento da FP. Duas pessoas mortas e dezenas de feridos, o episódio ficou conhecido por Caçambada Cutuba. 

Quando completou um ano do atentado, Inácio Mendes,  através de sua coluna na Folha de Rondônia, levantou uma campanha com a seguinte manchete:

" CAMPANHA PRÓ CONSTRUÇÃO DO TÚMULO DAS VÍTIMAS DA CATÁSTROFE  DA NOITE DE 26 DE SETEMBRO DE 1962

Completando no dia 26 de setembro um ano da catástrofe que matou os nossos companheiros Custódio José da Silva e Luiza Ribeiro Silva, ferindo muitos outros, quando um basculhante da prefeitura municipal de Porto Velho, cerca de 22 horas, cumprindo ordens dos donos da terra, naquela época, atacou o eleitorado do doutor Renato Medeiros, reunidos num comício no bairro da Olaria, vimos lançar a “Campanha Pró Construção dos Túmulos das Vítimas da Catástrofe da Noite de 26/09/62”, numa justíssima homenagem póstuma àqueles mártires do aluizismo, construindo suas moradas no Cemitério dos Inocentes, onde seus companheiros poderão derramar lágrimas de dor e protestarem contra tão hediondo crime que jamais será esquecido pelo povo de Rondônia.

Pedimos a todos aqueles que desejarem subscrever as listas de contribuições para fazer face as despesas nos procurar na redação do jornal “Folha de Rondônia”

Pela Comissão Organizadora

Inácio Mendes  -  presidente"

Quarta prisão com invasão de seu domicílio

Dois anos depois desse atentado, com o advento do Golpe Civil Militar, as forças da repressão política em Porto Velho, atingiram o jornalista em sua própria residência, invadindo o seu lar, quebrando portas e janelas na presença de sua esposa e filhos, sendo arrastado até  as dependências do quartel da 3ª Companhia de Fronteira, onde Permaneceu preso e incomunicável, em uma cela sem as mínimas condições dignas de um ser humano.

Diversas foram as denúncias feitas aos jornais do Rio de Janeiro, e, em uma delas, sua esposa assim relatou ao jornal  Última Hora que publicou em sua edição de 03 de novembro de  64. Segue trecho: “ TORTURADO “Nossa Residência foi assaltada por policiais a mando do governador, que arrancaram ´portas e janelas e levaram preso o meu marido em verdadeiro atentado, configurando vandalismo e contrariando princípios democráticos, meu marido está preso no quartel da 3 CIA, recolhido em xadrez infecto, incomunicável, dormindo no chão, passando fome e sofrendo torturas até que assine depoimento desmentindo notícias verídicas publicadas em O Combate". 

Inácio Mendes volta a cena política em 1969, quando foi eleito vereador para compor a primeira Câmara Municipal de Porto Velho, sendo o mais votado do MDB – Movimento Democrático Brasileiro, com 312 votos. Durante o período em que esteve no exercício de sua função, foi vítima de várias tentativas de cassação de seu mandato.  

Em março de 72, Inácio Mendes sofreu a sua quinta prisão, desta feita, foi incluso na Lei de Segurança Nacional - LSN, condenado a três anos de reclusão e recolhido ao cárcere em Belém do Pará.

O livro “Brasil: Nunca Mais” editado pela Arquidiocese de São Paulo, citou o jornalista, quanto às perseguições e seu enquadramento na LSN: “No distante  Território de Rondônia, o jornal  ‘O Combatente’, de Porto Velho, foi atingido por inúmeras perseguições a partir de 1970, que levaram ao fechamento do órgão. Seu proprietário, Ignácio Mendes da Silva, também vereador e líder do MDB local, foi ainda processado com base  na LSN por críticas ao prefeito e outras autoridades em várias edições de 1970. 

Em 1971, o filho daquele jornalista foi submetido a novo processo baseado em idênticos motivos, agora por artigos publicados em ‘O Combate’  sucessor do jornal fechado no ano anterior”

Esta página da história de terror, sofrida por um  jornalista,  no antigo Território de Rondônia, reflete muito bem o clima de autoritarismo,  em que a população foi submetida pelos ditames do interventor do regime militar daquela  época. 


* Jornalista

Idealizador e produtor do documentário "Caçambada Cutuba - a história que Rondônia não escreveu" 2019.

Autor do livro "Uma Frente Popular no Oeste do Brasil" Editora Aquarius, 2023.

Fontes:

Alto  Madeira

A Noite

Correio da Manhã

Folha do Norte

Folha de Rondônia

Jornal do Comércio de Manaus

O Guaporé

O Imparcial

Última Hora


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