A campanha pela criação do Estado de Rondônia

Por Zola Xavier da Silveira *

O estado de Rondônia neste 04 de janeiro completará 42 anos de sua instalação. Quero aqui registrar que a criação do Estado foi um processo histórico que se iniciou a mais de 60 anos. Aproveito para parabenizar os pioneiros dessa jornada, que começaram essa luta a partir dos setores organizados da sociedade do antigo Território Federal de Rondônia. Foram movimentos suprapartidários, que reuniram todas as forças políticas que atuavam à época com os seus respectivos partidos políticos e também com as associações e cooperativas de classes, tanto na capital Porto Velho como em Guajará Mirim, os dois únicos municípios de então. A partir daí se formaram os Comitês para desenvolverem campanhas unitárias, portanto, com a participação dos segmentos sociais que bipolarizavam  a política de então, os aluizistas e a Frente Popular, esta tendo  como a sua  principal liderança o deputado federal Dr.Renato Clímaco Borralho de Medeiros.

Na cidade de Guajará Mirim, a Pérola do Mamoré, como é carinhosamente conhecida pelos seus habitantes, mais uma vez, sua população sai à frente em defesa dessa região, pois ainda em abril de 1938 seus habitantes lançaram um histórico Manifesto dirigido ao presidente Getúlio Vargas em defesa da criação do Território na região da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Portanto, podemos afirmar para a história, que esta cidade às margens do rio Mamoré, com o seu protagonismo, é o berço do hoje Estado de Rondônia. E, quando em 24 de setembro de 1963, ocorreu a primeira manifestação social em defesa da criação do Estado de Rondônia, em reunião que se deu no salão nobre do Guajará Clube, ocasião em que seus fundadores tomaram posse no  “Comitê Pró-Transformação do Território de Rondônia em Estado”,  este ato confirmou, mais uma vez, o  protagonismo dos guajaramirenses,  cuja composição do Comitê contou com as seguintes pessoas:  Raimundo Miranda Cunha, Salomão Jorge Badra Filho, Marco Aurélio Palácio, Ruy Almeida, Jorge Vassilakis, Américo Paes, Donaldo Patrocínio, Francisco Pereira Torres, Dr. Cláudio de Alencar Fialho, Almerindo Ribeiro dos Santos, Dr. Mariano Sá Ribeiro, Flávio Paes, Joaquim Gomes de Oliveira, Dr. José Cardoso Alves, Manoel Boucinhas de Menezes, Carlos Teixeira, Paulo Saldanha Sobrinho, Almir Alves Ribeiro, Dionísio Schokness, José Barbosa, Aníbal Pontes, William Bouchabki, João Rodrigues da Silva, João Saldanha, Salviano Honorato de Souza, João Oceano C. Souza, Pedro José ( Rio Grande), Waldemar Lopes de Lemos, Simão Salim Graciliano Maia, Clementino P. Castelo Branco, Ernesto Carlos Woilrath, Teófilo Vimão de Souza, Antonio Luiz de Macedo, Pedro Nicolau Flores, Francisco Otacílio Mesquita, Heitor Andrade de Macedo, Salomão Abierana, Francisco Nogueira Filho, Miguel Pereira, David Pereira da Silva, Militão Leite, Dr. Roberto Boucinhas de Menezes, Pedro Eleutério, Dr. Hélio Arouca, Dr. Edson Jorge, e mais outros nomes...

Em Porto Velho, o jornal O Guaporé, em 21 de setembro de 1963 publicou uma nota informando que seria criado o "Comitê Pró Estado de Porto Velho", para isso conclamou à população para uma reunião onde se daria a escolha de seus futuros membros. Esta nota foi assinada por pessoas identificadas com as duas correntes políticas que predominavam no antigo Território de Rondônia, os aluizistas e os que integravam a Frente Popular. Dentre os seus signatários temos: João Leal Lobo, presidente da URES - União Rondoniense dos Estudantes Secundários; Cel. Paulo Nunes Leal, José Saleh Morheb, comerciante; Clidenor Moreira Jorge, histórico militante comunista; Vinícius Danin, jornalista; José Nilo Pontes, comerciante; Lucini Sebastião Pinheiro, membro da diretoria da Associação Comercial,  Enéas Cavalcante, comerciante; Hamilton Raulino Gondim, médico; Emanuel Pontes Pinto, editor do jornal O Guaporé; Flodoaldo Pontes Pinto, empresário;  Cezar Zohgby, comerciante  e muitos outros...


Deputado Federal Dr. Renato Medeiros - acervo da família

No Congresso Nacional o representante do Território de Rondônia, deputado federal Renato Medeiros, em 19 de março de 1964, fez uso da tribuna informando a posse do governador doTerritório, Aberlardo Mafra, e, abordou também, o tema da criação do Estado de Rondônia.

Segue trecho do discurso: “Esperamos que, o Sr. Coronel Aberlardo Mafra possa desempenhar os deveres de seu cargo durante os três anos que ainda nos faltam de mandato, para que possamos trabalhar pela transformação do Território de Rondônia em Estado. Território fabulosamente dotado, com todas as possibilidades de se transformar num estado promissor, em necessidade de um trabalho fecundo para que suas reservas minerais e agrícolas possam ser perfeitamente aproveitadas. Agora mesmo usando a oportunidade de estar na tribuna desejo fazer um apelo ao Departamento Nacional de Estrada e Rodagem, para que termine a BR 29, (hoje a BR 364) que é o verdadeiro pulmão do Território de Rondônia. A BR 29 corta o Território em toda sua extensão. E para que haja tráfego durante todo o ano, há necessidade somente do levanamento do leito da estrada no trecho do rio muqui. São somente oito quilometros de terreno alagadiço, que dificultam o trânsito durante a estação invernosa.” ( Diário do Congresso  19 de março de 1964 )

Infelizmente, poucos dias depois do pronunciamento do deputado Renato Medeiros, o Brasil foi surpreendido com o golpe civil militar de 1º de abril, interrompendo a vida democrática nacional, postergando sobremaneira a criação do Estado de Rondônia por mais de quinze anos, além das medidas traumáticas ocorridas pelo o Brasil afora  decorrentes do estado de exceção, como prisões, perseguições de opositores ao regime militar e cassações dos mandatos de palamentares. O deputado Renato Medeiros foi incluído na primeira lista, interrompendo sua carreira política iniciada no final da década de quarenta quando se formou a Frente Popular, ainda no antigo Território Federal do Guaporé. 


Jornal O Guaporé 21 de julho de 1967


Contudo, a chama da esperança não se apagou. Como prova disso, o advogado e ativista social, integrante da Frente Popular em seu segmento socialista, Dr. Fouad Darwich Zacharias, retomou o debate sobre a necessidade de se criar o Estado de Rondônia e o fez com a  publicação no jornal O Guaporé, em  21 de julho de 1967, com o texto denominado 'O Estado de Rondônia',  que representou um verdadeiro manifesto, onde ele  abordou de maneira pormenorizada, a falta de uma ampla representatividade da população  no Congresso Nacional, “O Território elege um único deputado para a Câmara Baixa do País. Nessas condições as minorias não são representadas.” e segue o Dr. Fouad com a denúncia das imposições sofridas pela população rondoniense, “quanto ao governo, o seu modo e forma de atuação define o 'status' colonial de Rondônia. O governador é imposto pela vontade unilateral do presidente da República, nenhum poder legislativo controla ou limita os seus atos e atribuições. Por sua vez esses atos e atribuições não emanam da Constituição que, apenas, se refere aos Territórios de passagem, mas decorrem do decreto presidencial que instituiu os mesmos Territórios, complementado por leis que aparecem como um esboço de organização administrativa. O controle é feito de Brasília e do Rio de Janeiro pelos órgãos administrativos da República. Assim, o controle é administrativo, não é político." 

Por fim, o ilustre advogado termina seu " manifesto " com um brado em defesa do Estado Democrático de Direito: "Da exposição sintética que fazemos da atuação político-administrativa do Território, o que mais se acentua é a forma discricionária do governo, com a centralização de poder e autoridade nas mãos de uma única pessoa, o que conflita com o Estado Democrático e Constitucional do Brasil."

Portanto, o processo social em que a história nos mostra, é de que a população do Território de Rondônia, não se omitiu frente a necessidade da criação do Estado de Rondônia, muito pelo contrário, nos deixou um legado onde os valores cidadânicos estiveram sempre presentes, em defesa da democracia, com a participação ativa da sociedade civil.


* jornalista 

- Idealizador e produtor do documentário "Caçambada Cutuba - a história que Rondônia não escreveu", 2019;

- Autor do livro "Uma Frente Popular no Oeste do Brasil".editora Aquarius, 2023.


  

Comentários

  1. Parabéns Caro Zola! Um texto lúcido e histórico que resgata a luta cívica das populações de G. Mirim e P.Velho engajadas no movimento pro-criacão do Estado de Rondônia.

    ResponderExcluir
  2. Belíssimo texto do Zola! Para quem quiser conhecer os fatos e personagens da história pela criação do Estado de Rondônia. Leitura imprescindível! Parabéns!!!

    ResponderExcluir
  3. Parabéns Zola uma aula da luta para criação do nosso estado. Abraço forte.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas